segunda-feira, 13 de junho de 2011

3 - O Milagre

- Mas eu já te falei que tem que chamar alguém pra consertar isso!

Dizia Marcilene, preocupada com a descarga do banheiro que estava vazando a dias. O marido, Jorge, não era versado nas artes do conserto caseiro e, inevitavelmente, teria que procurar ajuda para solucionar o problema.

Em uma de suas rotineiras visitas ao bar da esquina, Jorge indagava sobre o conserto de sua descarga, e eis que, como uma daquelas aparições da virgem Maria em produtos comestíveis como rosquinhas, torradas ou algodão doce, surge um nome, mas esse veio entre um copo e outro de cerveja mesmo.

- Chama o Zé. O Zé Gambiarra. Ele conserta.

O nome não inspirou confiança imediata, mas para se livrar dos constantes e já cansativos pedidos de sua mulher, ele não teve dúvida e pegou o telefone do dito.

- Não custa ligar - dizia para se convencer.

Antes de telefonar, procurou informar-se na vizinhança para ver se descobriria como era o serviço do futuro contratado e supreendeu-se com as boas referências encontradas. Dona Adalgiza, da casa verde musgo com azulhejos em bege do outro lado da rua, disse que ele instalou todos os 5 ventiladores de teto de sua residência e ainda fez o piso do banheiro. "Seu" Hailto, outro morador antigo do bairro, disse que, se não fosse o Zé, hoje não teria água gelada para beber, e a Variant abóbora, carinhosamente chamada de "Van Basten", ainda estaria parada na garagem.

Armando, que tinha um comércio de venda de CDs e DVDs piratas e morava no sobrado em cima da padaria, também exaltava as habilidades do mestre dos consertos.

- Meus CDs arranhandos foram todos consertados passando uma banana. E ainda salvou uma placa de vídeo velha colocando ela no forno. O Zé é genial.

Com tantas referências positivas, não teve dúvida, chamou o sujeito.

O nome verdadeiro do homem-dos-consertos era José Afrânio. Mas a alcunha, Zé Gambiarra, já era uma marca. Mesmo que para alguns pudesse até ser um marketing negativo. Mas não para o Zé. Ele gostava. Orgulhava-se do seu apelido.

Em seu cartão de visita, estampou a frase que o definia: "Só não dou jeito na morte."

Encontro marcado. O casal pacientemente aguardava a chegada do comentado "faz-tudo" da região.

Já passava das 14 hrs e, como de praxe, Jorge decidiu fazer um lanchinho. Foi até a geladeira e pegou aquele salame suculento e uma cervejinha "estupidamente" gelada. Botou o salame na pia e preparava-se para cortar o aperitivo, quando sente uma dor aguda no peito. Com ela, uma falta de ar repentina, tontura e fraqueza nas pernas. Ele gritava pela mulher, mas antes que ela pudesse atender, seu corpo desabava no chão da cozinha. Desesperada, Marcilene correu e o acudiu. Chamava aos berros pelo nome de Jorge, mas o marido parecia estar morto.

Então, a campainha toca. É o Zé.

Marcilene o atende aos prantos, lágrimas escorrendo pelo rosto, mãos trêmulas e o medo estampado nos olhos.

Zé Gambiarra, um homem acostumado ao imprevisto, não se abala. Calmo e sereno, pergunta o que houve e logo é levado à triste cena que se desenrola na cozinha.

E é nessa hora que os homens de pouca fé se entregariam ao desespero. Mas não ele.

Percebendo a situação, lembrou-se de um programa de TV que viu na noite passada, em que um paramédico ressucitou um acidentado. Fez-se então a luz na mente daquele homem simplório:

- Vou ressucitar ele passando corrente!

Gambiarra puxou os fios e fez uma ligação rápida com a caixa de força da casa. Amarrou um fio desemcapado no dedão do pé do moribundo Jorge e outro no dedo médio da mão esquerda, porque Jorge era destro. Pensou nos polos positivo, negativo e neutro e disse:

- Liga, D. Marcilene!

Em um espasmo cinematográfrico, o corpo de Jorge sacudiu mais que bunda de mulata no carnaval. Estrebuchou, pipocou!

- Corta, D. Marcilene! Corta! - grita o Zé.

Silêncio. E um pouco de fumaça.

Marcilene corre para perto de Jorge. E, como que por milagre, o antes moribundo marido, abre os olhos e diz:

- Estou com um gostinho de queimado na boca, minha nega...O que houve?

Daquele dia em diante, Zé Gambiarra não era mais um homem comum.

E com toda justiça. Ganhou até placa no bar do Morais pelo acontecido.

Até mesmo a escola de samba do bairro pretende homenageá-lo com o enredo desse ano.

Mas bonito mesmo era o novo apelido. Esse sim tinha pompa e circustância.

Quem disse que milagres não acontecem?

Pede a São Gambiarra.

(Se você duvida dos feitos do Gambiarra, acesse http://pedecogumelo.com/blog/cogumelo-em-noticia/assistencia-tecnica-bizarra/ ).

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