quinta-feira, 12 de julho de 2012

O segredo de Dona Geni


    Arlindo era um homem tímido. Tão tímido que quando andava, só olhava para baixo, tentando, em vão, se esconder de olhares que, para ele, eram como flechas em chamas que atravessavam sua alma.
Quando pequeno — diziam as línguas ferinas do bairro do subúrbio carioca onde residia — que Arlindo era proibido de sair de casa por sua austera mãe, Dona Geni. Os moleques da rua, maldosos em sua desinibição de adolescentes, caçoavam de Arlindo, chamando-o "carinhosamente" de "Rapunzel da Vila da Penha". Não pelos longos cabelos ruivos em tranças, mas sim por viver preso, sem poder sair ou mesmo brincar com os outros meninos de sua rua.
Arlindo vivia em um castelo imaginário construído e vigiado por sua mãe.
Dona Geni era uma mulher conservadora e possessiva.Alguns dos vizinhos até estranhavam tamanha preocupação com o menino Arlindo. Parecia que o pobre garoto era feito de ouro, ou possuía em si um tesouro a ser guardado em cofre de banco. Mistério.
O tempo passou, Arlindo cresceu, fez-se homem, mas não casou. Continuava ali, vivendo com a mãe. E, em todas as manhãs, Dona Geni servia o café para seu amado filho: a vitamina de leitinho com pera e o pão com queijo derretidinho na chapa, com uma leve camada de manteiga.
Mas manteiga somente em um lado. Apenas em um lado. E todo o santo dia era isso.
Em casa ou no trabalho, Arlindo era um desastre ambulante. Esbarrava em tudo, não se adequava aos espaços, parecia não se sentir entrosado com o corpo que possuía. O desconforto e a insegurança eram palpáveis.
Era um verdadeiro inferno para ele.
Mas a vida dá voltas e, às vezes, nos arrasta. E foi assim com o Arlindo.
Dalva era o nome dela. Um mulher vistosa, carnuda, de coxas bem torneadas e um olhar sedutor, por vezes intimidador. Conheceram-se em uma festinha daquelas do trabalho. Foi um encontro fulminante. Ao se darem conta, estavam no motel.
Dalva era uma mulher vivida. De muitos homens, amores e desilusões. Quando topou sair com Arlindo, disse para si mesma em um pensamento rápido:
— Pelo menos ele me faz rir...
Arlindo, por sua vez, estava tenso. Já tinha transposto uma grande barreira, que foi conseguir se aproximar de Dalva e chamá-la para um encontro.
Estar no motel com ela, então, era como ganhar uma copa do mundo marcando o único gol da final com a mão, em posição de impedimento e vestindo a camisa 10.
Mas ele continuava a ser o mesmo menino tímido de outrora. E num ato de defesa, de quem se sente acuado pelo inevitável, comentou:
 — Não repare, Dalva, eu não tenho muita experiência com mulheres. Tive apenas uma mulher em minha vida.
Dalva, do alto de sua magnânima sabedoria de alcova e com uma expressão de predadora nos olhos e nos lábios, respondeu serena:
 — Mas eu já saí com vários. Eu cuido de tudo, meu lindo.
Então, despiram-se. Ela foi rápida. Ele, lento, desastrado e sem jeito.
Ficava de costas para evitar os olhares de Dalva e, quando chegou à última peça, a cueca, parecia ainda mais desajeitado e inseguro.
Por fim, retirou-a. E virou-se de frente para Dalva.
Silêncio.
Aquela mulher dada a aventuras, e que julgava já ter visto e experimentado de tudo, calou-se em um engolir a seco ao contemplar Arlindo.
E exclamou:
— Nossa...
A noite de luxúria foi excepcional.Sem tréguas, sem descanso.
Pela manhã, a vida de Arlindo havia mudado para sempre.
Dona Geni sabia que se Arlindo saísse da casa e conhecesse o mundo jamais voltaria para ela.
E isso, por um motivo simples, expresso no carinhoso e sincero apelido dito por Dalva em uma frase de duas palavras:
— Meu Calabrezudo!
E assim, a vida mudou para Arlindo. Dalva que o diga.