sexta-feira, 17 de junho de 2011

4 - UM CHARME!

Ela era uma pessoa requintada. Respeitadíssima em seu círculo de amizade, suas opiniões eram sempre equilibradas sobre os assuntos que apareciam nas rodas de bate-papo, principalmente quando se tratava de algum tipo de conselho.

Sempre bem vestida, cheirosa e bonita, arrancava, ao mesmo tempo, suspiro de uns e uma inveja escrachante de outras. Era bem-sucedida profissionalmente e trabalhava em um escritório no centro da cidade.

Apesar de todo equilíbrio e aparente seriedade, não dispensava uma geladinha no final do expediente de uma sexta-feira, num desses “barzinhos” da vida onde gostava de falar besteirinhas com as amigas. Era bem-humorada, sempre tirando uma frase bem-sacada que causava gargalhada nas pessoas que estavam à mesa.

Débora era assim. Em meio a um contexto mais relaxado e com algumas cervejinhas por perto, se soltava. Criativa, ela agregava e alegrava.

Todos gostavam de ouvi-la.

Entretanto, contrariando a lógica dos boêmios, a melhor das frases já proferida pela moça não surgiu na mesa de um bar, rodeada de garrafas vazias, e com o teor etílico em seu sangue, ultrapassando as escalas recomendáveis.

Muito pelo contrário...

Era sexta-feira. Dia esperado por muitas no escritório. E todas ouriçadas, pois sempre esperam, em sua ansiedade inerente ao gênero, por alguma coisa. Algo novo que pudesse acontecer pra mudar a mesmice do fim de semana.

Janete, secretária do Doutor Percival, estava esperando pelo engenheiro de uma firma terceirizada que lhe entregaria uma encomenda de um serviço na parte da tarde. E como de praxe, havia uma certa expectativa por parte da ala feminina do departamento, pois se tratava de um homem. Um macho, adulto e, com a graça de Santo Antônio, solteiro.

Carne nova, fresquinha, apareceria no pedaço, pensavam.

Passadas algumas horas depois do almoço, eis que o dito, ou bendito, chega. Janete o recebeu e, assim que o viu, abriu-se em sorriso. Era o sinal da benção hormonal.

Radiante pra apresentá-lo às demais coleguinhas, apressou-se.

Entre a desculpa de mostrar o departamento e o desejo de permanecer por mais tempo que conseguisse ao lado do bem-apessoado rapaz, correu por todas as salas, corredores e setores e observava as reações.

Janete fazia aquela pose de dona de cão premiado sempre que aparecia ao lado do precioso: cabeça erguida, cotovelos ao corpo, coluna ereta e o nariz empinado.

Por último, o rapaz foi apresentado no setor onde Débora trabalhava.

Assim que a “novidade” foi apresentada a tão galináceas felinas, surgem os inevitáveis gracejos, ao mesmo tempo em que as plumas se avolumaram, num plural arrepio incontido:

— Nossa, você viu? — disse Marinara com os olhos brilhando.

— Meus Deus! Que homem é esse! — disse Melissa apertando a pequena cruz pendurada no colar em seu pescoço.

— Um gato! — disse Francisca, assim, direta.

— Que homem tesudo! — disse Andruxa, em um êxtase eufórico.

Ao que uma delas, na efervescência da verborragia de elogios, disse:

— Ele tem cara de bandido.

E uma delas rapidamente respondeu:

— Então eu quero que ele me mate na cama.

Ousa-se dizer que, nesse dia, se grelo fosse sino, seriam ouvidas badaladas dignas da Missa do Galo.

A conversa continuou e evoluiu para um outro assunto: a piscadela que ele deu pra um dos funcionários da casa, num sinal de afirmação, pois iriam finalizar um trabalho juntos num outro momento. Nada de mais.

Mas não para elas.

Começa-se uma discussão profunda para descobrir se essa piscada era um sinal de viadagem ou se era algum tipo de gracejo refinado, de charme.

Venceu o charme.

Então, abriu-se outra frente de debate: homem bonito tem que ser charmoso?

Umas concordavam, outras eram imparciais. O fato é que não havia um consenso entre as opiniões.

Até que uma delas falou de algo que alguns homens costumeiramente fazem:

— Eu não gosto de homem que coça o saco... Acho nojento!

Depois dessa fala, a torrinha fica em polvorosa. Todas começam a falar freneticamente e, por mais incrível e improvável que possa parecer, concordavam em algo: não gostavam de homem que coçava o saco.

Porém, no meio de tantos dizeres, Débora estava reticente. Fingindo estar compenetrada nos seus afazeres, ouvia os inúmeros comentários.

Estava esperando o momento certo pra falar. A palavra certa, na hora certa. Eis que o momento surge quando a mais desinibida perguntou:

— E você, Débora, o que acha de homem que coça o saco?

Débora vira-se, em sua cadeira, de frente para todas que estavam na discussão e, com ar de obviedade, responde de bate-pronto:

— Um charme.

Diante do momento estupefato das suas amigas, filosofou:

— Pela coçada a gente sabe se o cara tem pegada!

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